
DIZ-ME O QUE COMPRAS, DIR-TE-EI QUEM ÉS
Quando paramos para pensar na importância que as marcas alcançaram no mundo de hoje, é inevitável alguma perplexidade. Algumas das razões pelas quais elas ganharam essa importância, são mais ou menos evidentes. A primeira delas é sem dúvida a crescente semelhança entre os produtos e serviços disponíveis. No passado, era mais ou menos simples escolher entre as várias alternativas oferecidas ao mercado com base no preço, na qualidade ou no serviço. A oferta era bastante menor e as diferenças não só eram reais, como claramente percebidas. Das roupas aos adubos, passando pelos carros ou pelos bancos, as opções eram restritas e e bem definidas. O mundo era mais simples e, em alguns aspetos, mais aprazível. Mas basta pensarmos na vasta oferta de hoje em termos de serviços financeiros, companhias aéreas ou postos de gasolina, para percebermos que as diferenças se esbateram, e que não há realmente grandes distâncias entre os tipos de produtos ou serviços que eles disponibilizam ao mercado. Nenhum consumidor consegue, em termos puramente racionais, decidir entre dois produtos praticamente iguais. No entanto, para conquistar e manter mercados, a diferenciação é fundamental. Só uma empresa que se diferencia consegue se destacar na percepção e na memória do consumidor, levando-o a escolher os seus produtos em detrimento de outros e, o que é mais importante, a repetir a compra. E se o produto ou serviço não fornecem essa diferenciação, a tarefa fica quase exclusivamente a cargo das marcas. São elas, e não os produtos, que têm a responsabilidade de seduzir os consumidores, atraí-los para a experimentação, envolvê-los num relacionamento e conseguir que passem a assumi-las como parte das suas vidas. No entanto, se esta necessidade é a explicação para o crescimento da importância das marcas do ponto de vista das empresas, ela não é suficiente para explicar o mesmo crescimento do lado dos consumidores. De fato, as marcas ganharam um estatuto na vida dos consumidores que raia a idolatria. O que leva as pessoas a vestirem roupas com as etiquetas do lado de fora, a passearam T-shirts com logotipos gigantes do fabricante transformando-se em cartazes publicitários ambulantes, a usarem malas decoradas com as iniciais da marca? E, o que é mais extraordinário ainda, como se explica que as marcas se manifestem com igual vigor e exerçam igual atração, independentemente do país, cultura, língua ou religião de quem as procura? A resposta é simultaneamente sociológica e psicológica. Vivemos num mundo onde as ideologias, os nacionalismos e as religiões perderam significado e onde os valores foram substituídos pelo consumo. As relações pessoais e profissionais tornaram-se instáveis e efémeras. A globalização, e as suas ferramentas digitais, aplainam as diferenças regionais e a mobilidade internacional é uma banalidade acessível a quase todos. Para piorar as coisas, os ciclos de crise e prosperidade sucedem-se sem aviso, tornando o futuro mais imprevisível do que nunca. Como resultado de tudo isto, o ser humano foi gradualmente perdendo referências e padrões pelos quais definir o seu lugar na sociedade e na vida. De fato, nenhuma escolha é hoje racionalmente sólida face às circunstâncias do mundo e da sociedade. Psicologicamente, no entanto, esta é uma situação que causa grande desconforto e insegurança aos indivíduos, e que é insustentável para o comum dos mortais. O ser humano, precisa de sentir que pertence a um grupo. A tribo é sinónimo de sobrevivência. Ser aceite pelos outros oferece proteção, solidariedade e propósitos comuns que dão um sentido à existência. Oferece uma relativa descontração numa vida de alerta permanente perante as ameaças do meio ambiente. Centenas de milhares de anos de experiência acumulada inscreveram esta realidade no nosso ADN. E é aí que entram as marcas, relativamente estáveis e claramente posicionadas, consistentes, fiáveis, atuais, prósperas. Uma filiação a uma marca é uma inscrição num clube, com milhares ou mesmo milhões de sócios, que partilham determinados ideais, filosofias, estilos, padrões estéticos e formas de estar. Elementos que as marcas deixam muito claros de forma simples e coerente em todas as suas manifestações. Em contrapartida, os consumidores ganham, exteriormente, aceitação, reconhecimento social e status. Mas, mais importante do que isso, ganham interiormente um sentimento de pertença que os ajuda a definir a sua posição na sociedade e na vida, fortalecendo a sua personalidade e assegurando-os das suas opções. De repente, as marcas passaram a representar a identidade dos indivíduos. Não é pouca coisa. Sobretudo quando pensamos que esta realidade está presente quase em permanência nas nossas vidas, desde que acordamos até que nos deitamos. No carro em que andamos, no posto de gasolina em que abastecemos, no jornal que lemos, na roupa que vestimos, no supermercado em que fazemos as compras e em todos os produtos que trazemos para casa. No banco onde depositamos as nossas poupanças, no restaurante onde jantamos e no festival de música que preferimos. Na marca da televisão, no operador de telecomunicações e nos canais em que fazemos zapping. No relógio, no computador ou no telemóvel. No destino de férias, no clube de futebol e no partido político. Até no presidente em que votamos. Obama é uma marca invejável e o slogan "Yes, we can." um dos mais populares do mundo. Mesmo quando pensamos que estamos a fazer uma escolha racional e funcional - a compra de um ténis, por exemplo - estamos inevitavelmente a fazer um discurso carregado de simbolismo e a passar uma mensagem aos que nos rodeiam. Todas estas opções ajudam a definir a pessoa que somos, e como nos posicionamos no mundo em relação aos outros. Colocado desta forma, o consumidor parece pouco mais de que uma marionete ao sabor do mercado e das tendências. Mas a verdade é que, se as motivações para escolher determinada marca são muitas vezes inconscientes, a decisão de compra é absolutamente consciente. E assim sendo, é o consumidor que tem efetivamente o poder de ditar o sucesso e a permanência das marcas no mercado. Com a sua opinião e, consequentemente, com a sua compra, o consumidor determina quais as marcas que merecem sobreviver, e o comportamento que devem ter para que isso aconteça. Grandes marcas como Nike e Apple viram as suas vendas abaladas por denúncias de utilização de mão de obra infantil ou mal remunerada em fábricas remotas do extremo oriente. Medidas concretas foram imediatamente tomadas para ir ao encontro da opinião pública, e um cuidado redobrado foi colocado na seleção de fornecedores. É uma vitória do consumidor, que através da sua preferência ou boicote determina, por exemplo, a postura ética de uma empresa. Nem sempre foi assim. Henry Ford dizia em 1920 que os carros que fabricava podiam ser de qualquer cor, desde que fossem pretos. Hoje estamos no polo oposto, onde a tecnologia e o marketing tornaram a fantasia da decoração personalizada de veículos, um sonho economicamente viável. É um caminho sem volta, e uma pescadinha de rabo na boca, onde os consumidores se apoiam nas marcas para definirem as suas crenças e aspirações, e as marcas se aproximam das aspirações e crenças dos consumidores para merecerem a sua preferência e se tornarem fortes e indispensáveis. Como é que as empresas constroem estas marcas, os desafios que enfrentam e os benefícios que daí retiram, é o que vamos começar a ver nos próximos artigos.