
UMA QUESTÃO DE CONFIANÇA
Nunca se falou tanto em marcas como nos dias de hoje. Como já apontei em artigos anteriores, há muitas razões para isso, mas a primeira delas é uma alteração radical na economia mundial. A deslocação da produção em massa para a personalização em massa, multiplicou as nossas opções de compra ao infinito. Vejam-se os telemóveis, por exemplo. Nos últimos 3 anos, só a Samsung lançou 38 diferentes modelos. O mercado como um todo, talvez perto de 1000. Tirando os fanáticos das tecnologias, ninguém tem competência ou paciência para fazer uma análise racional desta panóplia. A solução é fazer a nossa escolha de uma forma simbólica. Atributos emocionais substituem as análises tecnológicas. Ironicamente, a escolha entre produtos que custam centenas de euros e reúnem a mais avançada tecnologia disponível desde sempre ao comum dos mortais, é feita com base em questões tão prosaicas como: qual é o modelo mais bonito, qual é que os meus amigos compraram, em que loja é que se vende, a que "tribo" social eu vou pertencer se o comprar, o que é que as pessoas dizem dele ou o que é que o preço que paguei por ele diz a respeito do meu status social. Mas nenhuma pergunta é tão importante como "Quem é o fabricante?". Porque, frequentemente, esta resposta resume todas as outras. Se eu confiar num nome por trás de um produto ou serviço, tudo o resto é mais ou menos secundário. É basicamente por isso que as pessoas se interessam mais por marcas hoje do que alguma vez na história. E é por isso que as empresas, das pequenas start-ups às lendárias corporações, das instituições mais formais até aos próprios países, estão tão interessados em construí-las e cultivá-las de forma a conquistar continuamente a confiança do público. Porque uma marca forte atrai os consumidores e, numa sociedade orientada para o mercado, quem tem a preferência dos consumidores garante mais do que o sucesso ou a sobrevivência do negócio: assegura o poder.
Mas afinal, o que é uma marca? Aparentemente todos parecem ter uma ideia bastante clara quando falamos de marcas, mas na prática poucas pessoas têm noção do que a palavra verdadeiramente significa. A ondulante palavra Coca-Cola inscrita há mais de um século em garrafas e latas por todo o mundo, é uma das marcas mais famosos do planeta, certo? Errado. É um dos logotipos mais famosos do planeta. Uma marca é algo muito mais difuso e impalpável. A Apple não é apenas um fabricante genial de computadores e gadgets inovadores. É uma forma de estar na vida: simples, avançada e elegante. Muitos podem defender a superioridade técnica de equipamentos concorrentes, mas nenhuma marca é mais amada do que a da pequena maçã. Marca, enfim, é o que as pessoas sentem quando pensam numa empresa ou nos seus produtos e serviços. E portanto, gerir uma marca, é administrar um conjunto de perceções e significados associados ao produto ou serviço, que constroem uma imagem na mente e, sobretudo, no coração dos consumidores.
Estou a ser poético? Nem por isso. A maior parte das nossas decisões são tomadas por razões emocionais, as quais posteriormente tentamos justificar racionalmente. As pessoas são essencialmente intuitivas, aprenderam a sê-lo como forma de sobrevivência através dos milénios. O conjunto de informações que apreendemos com a nossa intuição, e a que damos o nome difuso de pressentimentos, utrapassa de longe a nossa capacidade racional de análise do mundo que nos rodeia. Frequentemente sentimos-nos ameaçados, atraídos, desagradados ou interessados por algo ou alguém, sem nenhuma razão aparente ou racionalmente defensável. E raramente nos enganamos. Assim, é neste terreno da intuição do consumidor, diáfano mas decisivo, que as marcas são construídas e destruídas diariamente. Na verdade, é apenas lá que as marcas existem. É na mente das pessoas que elas ganham forma, perduram e se fortalecem; ou se apagam, súbita ou gradualmente. Um processo que as empresas não conseguem verdadeiramente controlar, mas apenas influenciar através das decisões que tomam, dentro e fora de portas. Principalmente, mas não só, através da comunicação que fazem ao mercado e das experiências que proporcionam aos seus clientes. Quando a percepção de um número significativo de consumidores em relação a determinado serviço ou produto se torna muito semelhante, podemos dizer que uma marca começou de fato a existir. Em resumo, a marca não é verdadeiramente definida pelas empresas, mas sim pelos consumidores. A sua opinião é soberana e a sua simpatia ou antipatia pela marca, decisivas.
Nos coliseus da antiga Roma, o imperador perguntava ao público se o gladiador, em função do seu desempenho na arena, merecia viver ou morrer. Levantava o seu punho fechado com o polegar esticado na horizontal e aguardava a manifestação popular. A direção dos polegares da maioria dos espectadores ditava a decisão do imperador e o destino do gladiador. Apenas os mais fortes, os mais originais, os mais inovadores, os que proporcionavam o melhor espetáculo e o maior divertimento, em resumo, os que mais entretenimento ofereciam em troca do preço da entrada, ganhavam o direito de permanecer vivos e de lutar mais uma vez no dia seguinte. Nada muito diferente da vida de uma marca no desafiador e excitante circo do mercado. Sobreviver à luta não é suficiente. Uma marca não faz mais do que a sua obrigação se o produto ou serviço que representa for competente. É o mínimo que se exige. Na verdade tem que estar muito para além disso se quiser perpetuar o seu lugar na arena. Tem que ser memorável e atraente, distintiva e relevante, positiva e única. Tem que ser amada. Veja-se o Facebook, que tão bem soube capitalizar o símbolo milenar do polegar levantado como um dos símbolos da sua marca. O que é que as empresas pedem aos visitantes das suas páginas na rede social? Um like. Pura emoção, razão zero. A tarefa de uma empresa é convencer permanentemente os consumidores que a sua marca é melhor para eles do que a da concorrência, não tanto de uma forma racional, mas essencialmente emocional, a única linguagem que o ser humano verdadeiramente assimila de forma rápida e valoriza de forma duradoura. É um trabalho repleto de sensibilidade e de magia, de ambiguidades e limites difusos. Mas absolutamente essencial para manter a confiança do consumidor nas marcas. E para manter as marcas vivas na arena do mercado.